Enquanto vivemos neste mundo, não
podemos estar sem trabalhos e tentações. Por isso lemos no livro de Jó (7,1): É um combate a vida do homem sobre a terra.
Cada qual, pois, deve estar acautelado contra as tentações, mediante a
vigilância e a oração, para não dar aza às ilusões do demônio, que nunca dorme,
mas anda por toda parte em busca de quem possa devorar. Ninguém há tão perfeito
e santo, que não tenha, ás vezes, tentações, e não podemos ser delas totalmente
isentos.
São, por tanto, utilíssimas ao homem
as tentações, posto que sejam molestas e graves, por que nos humilham,
purificam e instruem. Todos os santos passaram por muitas tribulações e
tentações e com elas aproveitaram; aqueles, porém, que não as puderam suportar
foram reprovados e pereceram. Não há Ordem tão santa nem lugar tão retirado em
que não haja tentações e adversidades.
Nenhum homem está totalmente livre de
tentações, enquanto vive, porque em nós mesmos está a causa donde procedem: a
cobiça e o apetite sexual em que nascemos. Mal acaba uma tentação ou
tribulação, outra sobrevém, e sempre teremos que sofrer, porque perdemos o dom
da primitiva felicidade. Muitos procuram fugir às tentações, e outras piores
encontram. Não basta a fuga para vencê-las; é pela paciência e verdadeira
humildade que nos tornamos mais fortes que todos os nossos inimigos.
Pouco adianta quem somente evita as ocasiões exteriores,
sem arrancar as raízes; antes lhe voltarão mais depressa as tentações, e se
achará pior. Vencê-las-á melhor com o auxílio de Deus, a pouco e pouco com
paciência e resignação, que com importuna violência e esforço próprio. Toma com
frequência conselho na tentação e não sejas rude, áspero, insolente para o que
é tentado, trata antes de o consolar como desejas ser consolado.
O princípio de todas as más tentações
é a inconstância do espírito e a pouca confiança em Deus; pois, assim como as
ondas lançam de uma parte a outra o navio sem leme, assim as tentações combatem
o homem descuidado e inconstante em seus propósitos para com Deus. O ferro é
provado pelo fogo, e o justo pela tentação. Ignoramos muitas vezes o que podemos,
mas a tentação manifesta o que somos. No entanto, devemos vigiar,
principalmente no princípio da tentação; porque mais fácil nos será vencer o
inimigo, quando não o deixarmos entrar na alma, enfrentando-o logo que bater à
porta de nossa mente. Por isso disse alguém: Resiste desde o princípio, que vem tarde o remédio, quando cresceu o
mal com a muita demora (Ovídio). Porque primeiro ocorre à mente um simples
pensamento, donde nasce a importuna imaginação, depois o deleite, o movimento;
e assim, pouco a pouco, entra de todo na alma o malvado inimigo, porque se lhe
não resistiu a princípio. E quanto mais alguém for indolente e desatento em lhe
resistir, tanto mais fraco se tornará cada dia, e mais forte o seu adversário.
Uns padecem maiores tentações no
começo de sua conversão, outros, no fim; outros por quase toda a vida são
molestados por elas. Alguns são tentados levemente, segundo a sabedoria da
Divina Providência, que pondera as circunstâncias e o merecimento dos homens, e
tudo predispõe para a salvação de seus eleitos.
Por isso não devemos desesperar,
quando somos tentados; mas até, com maior fervor, pedir a Deus que se digne
ajudar-nos em toda provação, pois aquele que, no dizer de São Paulo, nos dará
graça suficiente na tentação para que a possamos vencer (1Cor10,13).
Humilhemos, portanto nossas almas, debaixo da mão de Deus, em qualquer tentação
e tribulação porque ele há de salvar e engrandecer os que são humildes de
coração.
Nas tentações e nas adversidades se
vê quanto cada um tem aproveitado; nelas consiste o maior merecimento e se
patenteia melhor a virtude. Não é lá grande coisa ser homem devoto e fervoroso
quando tudo lhe corre bem, mas, se no tempo da adversidade conserva a
paciência, pode-se esperar grande progresso. Alguns há que vencem as grandes
tentações e, nas pequenas, caem frequentemente, para que, humilhados, não
presumam de si grandes coisas, visto que com tão pequenas sucumbem.
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